uma velha senhora
a inspiração é humilde
A inspiração é humilde.
Você tá sempre correndo atrás do seu próximo projeto:
escrever seu próximo texto
montar um produto
projetar uma edificação
criar uma peça publicitária
Mas a inspiração parece que se retrai quando você mais precisa dela. Parece uma velha senhora com muito tempo livre, sem pressa, enquanto explora cada praça e avenida da cidade.
Guarde essa analogia, essa velha senhora vai nos trazer uma lição importante já já.
Vou abordar isso da perspectiva de um criador de conteúdo que foca bastante na escrita através de notas, mas se sua especialidade é outra, não se preocupe, esse texto também se aplica a todo tipo de criação de um modo geral.
A eterna dor de cabeça do "bloqueio criativo" te persegue, onde quer que você pare pra criar, seja no papel e caneta ou no computador. Ela faz questão de te contrariar.
E claro, existem N conselhos por aí mostrando direções pra pessoas criativos, mostrando novas fontes de inspiração - algumas boas, outras ruins. Mas hoje eu quero focar em um erro muito comum que vejo acontecer e que me incomoda toda vez.
Talvez você já tenha visto essa frase:
“A inspiração vem da aventura.”
Beleza, ninguém disse essa frase exatamente assim, talvez eu esteja brigando contra um inimigo inexistente.
Mas mesmo assim, é fácil aceitar essa frase e colocar ela num pedestal como se fosse uma verdade: *"a inspiração surge quando você a persegue em uma grande aventura, quando você vive uma vida grandiosa e cheia de experiências."*
E é fácil essa frase ressoar nas pessoas e elas concordarem, mas eu tava refletindo sobre isso: a dura verdade é que isso não serve pra a grande maioria de nós.
Mas entenda, eu e você não somos personagens principais, por mais que o seu guru favorito insista em dizer que sim.
Temos:
empregos comuns
vidas comuns
habilidades comuns
relacionamentos comuns
O que pode inspirar qualquer coisa que criamos se o destaque deste mês foi uma declaração de imposto de renda? Que ideia criativa sua planilha de gastos pode gerar?
Mas calma, eu não tô dizendo pra você abraçar essa vida e nunca buscar algo extraordinário. Acredito que sim que a gente tem que ter momentos emocionantes uma vida cheia de conquistas e lutas por algo maior.
E sim, é muito mais fácil criar quando você tem uma vida cheia de aventuras, experiências, viagens, aprendizados novos e etc.
MAS. Existe um grande "porém":
Isso é só metade da história.
Você não precisa viver uma vida aparentemente emocionante pra uma grande ideia surgir.
A inspiração também pode vir de dentro, quando você encontra grandeza ao ordinário. Fazendo isso, você potencializa o que já existe em vez de buscar algo que seja um incrível por si só.
Um influenciador com um orçamento de vídeo de um milhão pode controlar o clima, fixar o sol no lugar e criar toda a emoção que quiser - mas e o CLT de salário mínimo na casa dele, na periferia, sem dinheiro, sem equipamentos?
Essa cara tem que pegar o comum - as experiências que viveram - e dar a elas um significado pra fazer as pessoas ouvirem.
Ou pense em em perfume barato, sintético e produzido em massa que você ganha de presente de Natal depois que sua tia viu os anúncios na revista.
Nada de especial, certo? Talvez sim, a não ser que fosse o perfume que seu pai usava todos os dias para trabalhar. Aí ele ganha algo mais: significado.
Talvez ele não esteja mais por perto, e sentir o cheiro no ar te transporta pra memórias da sua infância, quando você brincava com ele. O comum se tornou profundo - tudo em um frasco de perfume de R$50.
Se você luta pra ter inspiração, é hora de olhar para os detalhes humildes da vida cotidiana mais de perto. Tudo já está lá - nada mudou. Você percebe essas pequenas histórias que se desenrolam na rotina, no ordinária?
Só que isso não é um interruptor que você pode ligar e desligar quando quiser. É um hábito, mas um hábito lento e suave que leva tempo para se desenvolver, que é comumente chamado de "olhar do artista".
Eu escrevi de um jeito meio floreado? Talvez. Mas eu quero sim te dar algumas dicas de como fazer isso de forma prática.
Um ponto de partida fácil é escrever notas sobre o que você observa.
Eu sei, eu sei rsrsrs.
Eu consigo ver os seus olhos se revirando agora e você tá se perguntando:
_esse bicho vai me dizer de novo pra tomar notas?
pra usar o Obsidian pra isso?
tudo isso foi só pra me vender um curso?
Mas tenha calma, felizmente essas notas são tranquilas e exigem muito pouco esforço extra.
Minha sugestão é que você capture momentos estranhos ou interessantes do seu dia - as coisas que se destacam um pouco mais do que o normal, ou até aquilo que não se destaca, que só é o que é e ponto final.
Voltemos à velha senhora. Ela não tem nada de especial.
ela cuida da própria vida
passeia pela feira, visita uma barraca ou outra, compra uns tomates
faz carinho no gato que passa na rua dela todo dia
É você que para pra olhar, ouvir e imaginar quem é essa mulher.
Essa poderia ser a história do seu dia.
Suas histórias podem ter uma página ou ser uma única frase, isso é você quem decide. O que importa é que você percebeu e escreveu - a escrita em si não é o foco, ela é só o meio pra você contar histórias.
Com o tempo, esse hábito pode se tornar natural à medida que você se treina para identificar esses momentos, só o suficiente para marcá-los em sua mente. Isso é poderoso porque vira um catálogo de experiências únicas que te inspira pro seu próximo trabalho, ou não, e você não perde nada, pelo simples fato que já tá na sua rotina.
Pra te ajudar a ir além da escrita como exemplo eu vou citar algumas opções.
Como artista, você pode fazer esboços de pessoas ou lugares para entendê-los melhor. Como designer, você pode refazer a arte do pacote de chocolate que viu no supermercado ontem. Se você é um desenvolvedor de jogos pode anotar os elementos mais divertidos de cada um.
Percebe onde tá o padrão? Todos compartilham o mesmo fio condutor: percepção dos detalhes sutis.
A inspiração é humilde, é uma senhora tímida.
Você precisa convidá-la pra a conversa.
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Te vejo na semana que vem.
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